«AMANHÃS QUE CANTAM»??!!
Posted by J. Vasco em 21/03/2010
A expressão «os amanhãs que cantam» é, de forma useira e vezeira, utilizada pelos snobs do costume para apoucar uma suposta visão messiânica da história que os revolucionários, em geral, sustentariam e que os neo-realistas, em particular, reservariam, como correlato estético, para o campo da arte. Mais uma vez, o preconceito e a mesquinhez dão as mãos, servindo de solo para as mais desbragadas catilinárias.
A visão da história dos mais altos representantes teóricos do movimento neo-realista português era tudo menos simplista, tosca ou mecanicista. Era, pelo contrário, bem dialéctica, rica e anti-messiânica. E não só estava pensada, como adquiriu mesmo, algumas vezes, a forma e o conteúdo estéticos. «Amanhãs que cantam»? Olhem que não…
COMPLICAÇÃO
As ondas indo, as ondas vindo — as ondas indo e vindo sem
parar um momento.
As horas atrás das horas, por mais iguais sempre outras.
E ter de subir a encosta para a poder descer.
E ter de vencer o vento.
E ter de lutar.
Um obstáculo para cada novo passo depois de cada passo.
As complicações, os atritos para as coisas mais simples.
E o fim sempre longe, mais longe, eternamente longe.
Ah mas antes isso!
Ainda bem que o mar não cessa de ir e vir constantemente.
Ainda bem que tudo é infinitamente difícil.
Ainda bem que temos de escalar montanhas e que elas vão
sendo cada vez mais altas. Ainda bem que o vento nos oferece resistência
e o fim é infinito.
Ainda bem.
Antes isso.
50 000 vezes isso à igualdade fútil da planície.
Mário Dionísio, Novo Cancioneiro, Poemas, 1941
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