Como o vídeo da sessão de terça-feira no parlamento francês, na qual se discutiu a proposta de alteração do sistema de reformas, foi censurado e retirado da rede, comecemos por esta fotografia dessa séance, cujo enquadramento pode ser conhecido aqui:
Passemos agora ao visionamento deste vídeo, que se reporta a uma outra sessão de «trabalho», em Março de 2009, no parlamento italiano, e que, inesperadamente, traz para a boca do palco a candente questão da «mortadela»:
Embora não o façamos, para poupar a paciência do leitor, podíamos entretanto chamar para este post mais alguns vídeos de casos semelhantes (não obstante a grande dificuldade, devida à censura, de os encontrar disponíveis), todos eles passados na Europa Ocidental, nos tais países das «democracias maduras», como soe dizer-se.
Ora, quem se tenha dado ao trabalho de ler a artigalhada dos últimos cinco anos produzida na «imprensa de referência» pelo «sociólogo» Barreto pode aperceber-se de que, no que toca à situação política portuguesa, a tese central que a criatura sustenta é aquela segundo a qual «há demasiada conflitualidade» entre os partidos, é a de que há um «permanente clima de crispação» no combate político em Portugal, é a de que, por consequência, as «soluções de compromisso governativo» ficam postas em causa. Não há aqui vestígio de conteúdo político específico: apenas o estribilho do «sectarismo», do «conflito pelo conflito», da falta de «visão nacional», e outras patacoadas.
Sobre isto, duas notas.
A primeira para sublinhar que, no plano factual, o «sociólogo», pura e simplesmente, mente. É conhecido de todos o ardor do combate político justamente nos países (Inglaterra, França, Itália, etc.) que Barreto quer apresentar como um paraíso celestial povoado por anjos e arcanjos. Comparado com esses países, Portugal é, a esse nível, um reduto de cavalheiros e as sessões parlamentares matinés de um chá dançante. Atendendo à intensidade da «questão social» em Portugal (encerramentos de fábricas, despedimentos, recibos verdes, perda do poder de compra, liquidação de direitos), a nota dominante da super-estrutura política do país não deixa mesmo de ser o «consenso» reaccionário do «centrão», a «respeitabilidade» hipócrita, a ausência de «grandes ondas». Uma tradição pontuada pelo peso da Igreja, pela Santa Inquisição e pelo fascismo não deixará, porventura, de contribuir para este estado de coisas.
A segunda para destacar que há um conjunto de raízes sociais para o afrouxamento e a lassidão da refrega política portuguesa (vínculo que o «sociólogo» pretende rasurar e apagar). Como lembrava Francisco Martins Rodrigues, Portugal tornou-se, desde 1835, «um local privilegiado para as soluções de transição na luta interna de classes, à esquerda como à direita. Arredondar arestas, desactivar cargas explosivas, escalonar as mudanças inevitáveis por pequenos degraus suaves, é uma arte portuguesa, que reflecte o peso social e ideológico da pequena burguesia na cena de classes (…)» [Anti-Dimitrov, 1935-1985 meio século de derrotas da revolução, Lisboa, Ulmeiro, 1985, p. 188.]
Mas se, na epiderme dos seus textos, o «sociólogo» evita sempre estabelecer abertamente qualquer correlação entre o nível de «conflitualidade» social e a sua expressão no terreno político (são, para ele, dois mundos independentes, separados por uma muralha da China), é preciso reconhecer, no entanto, que, de um ponto de vista sistemático, Barreto sabe da poda. Com as suas teses fantasistas e condenatórias, na verdade, ele não visa mais do que tentar amortecer o «conflito» social crescente, ou seja, a luta organizada dos trabalhadores pela emancipação social. Com as suas posições e consignas, ele não deseja mais do que assustar o filisteu (que o repete mecanicamente, ao mesmo tempo que acha que pensa por si e de forma original), criando a ideia do «caos político» e apelando a um «entendimento» perpétuo entre PS, PSD e CDS com o objectivo de levarem a cabo uma coordenação mais eficaz das políticas de espoliação capitalista: privatizações, aumento dos ritmos de exploração, diminuição dos salários, cortes nos direitos, etc.
Com os seus artigos, ele pretende o que sempre pretendeu, ontem como liquidador-mor da Reforma Agrária, hoje como «intelectual» orgânico do regime: perpetuar o capitalismo, defender a exploração, evitar o socialismo. Não nos parece, contudo, que os seus textos tenham esse estranho condão de configurar uma realidade que em nada lhes corresponde.