A EUROPA E O FUTURO
Posted by ines f. em 24/10/2011
Aparentemente, a União Europeia aprovou, sem que nenhum jornal tenha feito disso capa (deve ser pela falta de interesse jornalístico da questão…), no passado dia 11 de Julho, um novo tratado que estabelece o Mecanismo de Estabilidade Europeu, nova instituição supostamente criada para «salvar a zona euro» (nem eles fazem outra coisa) dos seus problemas financeiros, criando um fundo de «resgate» a ser utilizado pelas economias que dele necessitem. Claro que,como seria de esperar, este tão bem intencionado tratado tem muito que se lhe diga. Para além de se pôr assim em marcha um mecanismo gigantesco – avaliado para já em 700 mil milhões de euros, mas com carta branca para se reaprovisionar nos cofres dos estados membros quando assim lhe aprouver – de transferência do dinheiro dos Estados (dos cidadãos) para o Capital, o traço distintivo deste precioso desenvolvimento europeu é, nada mais nada menos, do que a sua completa imunidade perante a lei. Sim, é mesmo isso. O MEE está completamente acima da lei: ninguém o pode processar, investigar ou acusar do que quer que seja, mas, pelo contrário, ele pode processar, investigar, acusar todos os estados signatários e penhorar os seus bens financeiros ou patrimoniais.
Resumindo, a Europa vai passar a ser governada de facto (pois quem estabelece as leis económico-financeiras governa) por uma entidade não-eleita sem qualquer responsabilidade legal. Ou seja, a burguesia decidiu definitivamente cuspir nas suas próprias ficções democráticas. Brilhante, não?
(Para mais informação, o texto do tratado em inglês em http://consilium.europa.eu/media/1216793/esm%20treaty%20en.pdf)
João Valente Aguiar said
Bom texto. Apenas um reparo. Quando escreves que «O MEE está completamente acima da lei: ninguém o pode processar, investigar ou acusar do que quer que seja, mas, pelo contrário, ele pode processar, investigar, acusar todos os estados signatários e penhorar os seus bens financeiros ou patrimoniais.». Não acho que isso seja propriamente uma novidade. Qualquer Estado burguês “democrático” tem esses mecanismos (secretas, supremos tribunais, etc.) e mesmo a nível europeu o BCE, no plano económico, já faz isso. Nem sempre explicitamente mas não há OE ou contas de cada “Estado-membro” que não sejam do total conhecimento (quando não total condicionamento) do BCE. Mas de resto bom texto.
ines f. said
Totalmente de acordo. Não quis de forma nenhuma dizer que o estado burguês respeita de facto aqueles que diz serem os seus «princípios democráticos»; todos eles são direitos abstractos (logo, não concretos). Só queria evidenciar que que o facto de se institucionalizar tal imunidade, de se criar uma entidade de governo que está, estatutariamente, acima da lei, representa um desenvolvimento preocupante. Ou seja, se não tínhamos direitos concretos, futuramente, já nem direitos abstractos teremos (aliás, tem sido esta a marca dominante da construção europeia). De qualquer forma, obrigada pelo reparo.
João Valente Aguiar said
«se não tínhamos direitos concretos, futuramente, já nem direitos abstractos teremos (aliás, tem sido esta a marca dominante da construção europeia».
Absolutamente de acordo.
Um abraço
P.S. a minha observação era apenas isso… uma observação, não um reparo 🙂